Ação de Cobrança e AFAC: Entenda o Acórdão 1053153-53.2022.8.26.0100 do TJSP
- Elano Collaco
- 10 de out. de 2024
- 5 min de leitura
Introdução
Em recente julgado, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que o sócio não poderia reaver da Sociedade os empréstimos realizados e contabilizados como Adiantamento para Futuro Aumento de Capital Social (“AFAC”).
O caso, em resumo, trata de uma sócia que fez diversas transferências para a empresa entre 2017 e 2020, totalizando R$ 175.563,25, os quais foram classificados como AFAC, ou seja, a sócia e a Sociedade acordaram que, futuramente, o AFAC seria convertido em participação societária, o que aumentaria sua participação no capital social. No caso, não houve qualquer limitação de tempo para conversão do AFAC ou sequer previsão de retratabilidade da ação por parte da sócia.
Porém, sem que houvesse a conversão do AFAC em aumento de capital social, ou seja, sem que os valores aportados por meio de AFAC fossem capitalizados e, com isso, houvesse o aumento da participação societária da referida sócia, a sócia em questão, na sua compreensão, foi lesada e, por esta razão, resolveu solicitar o reembolso. Para ela, na ausência de decisão de aumento de capital, o aporte de capital deveria ser considerado mútuo e a ela restituído.
Natureza Jurídica - Diferenciação entre AFAC e Mútuo
Na legislação societária, não há uma disposição específica que trate a respeito de AFACs. Com isso, para definirmos o que é AFAC vamos nos valer da definição do Manual de Contabilidade Societária FIPECAFI, AFACs “são os recursos recebidos pela empresa de seus acionistas ou quotistas destinados a serem utilizados para aumento de capital. No recebimento de tais recursos, a empresa deve registrar o ativo recebido, normalmente, disponibilidade, a crédito dessa conta específica “Adiantamento para Aumento de Capital”.
Por seu turno, o mútuo tem regramento na legislação civil. Assim, o artigo 586 e ss. do Código Civil define mútuo como: “O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.”
Ambos os exemplos acima citados decorrem na transferência de valores para a sociedade, ou seja, a sociedade assume uma posição de débito perante a parte que desembolsa os valores. Por seu turno, quando referida transferência de valores à sociedade é classificada na conta específica de AFAC, o sócio e a Sociedade acordam que referido valor emprestado será futuramente convertido em capital social. Por outro lado, caso o valor emprestado seja classificado em conta do passivo, o sócio e a Sociedade acordam que futuramente os valores sejam a ele devolvidos, ou seja, serão pagos à sociedade e não há a conversão do AFAC em capital social.
Conclusão em Primeira Instância
Na primeira instância, o pedido da sócia foi negado. O juiz compreendeu que os valores estavam devidamente registrados como AFAC e que a sócia tinha ciência disso. Como o empréstimo foi classificado na contabilidade como AFAC, e não como mútuo, a empresa não teria obrigação de devolver os valores, mas sim convertê-lo em capital social. A sentença ainda condenou a sócia a pagar as despesas do processo e os honorários advocatícios da empresa, fixados em 10% do valor da causa.
O Recurso: Alegações da Sócia
Inconformada, a sócia recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo (“TJSP”). Na oportunidade, a sócia argumentou, entre outras questões, que como não houve aumento de capital, a empresa se beneficiou do dinheiro sem nenhuma contrapartida. O recurso ainda requereu o reconhecimento de enriquecimento ilícito por parte da empresa em virtude da ausência de conversão do AFAC em capital social, pois a empresa teria usado os recursos sem o correspondente aumento da participação societária da sócia que realizou o aporte/investimento.
Acórdão do Tribunal de Justiça
O TJSP, após análise do recurso proposto, manteve a decisão de primeira instância. A 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial concluiu que os valores transferidos foram tratados corretamente como AFAC e não havia razões jurídicas para considerar essas transferências como mútuo entre a pessoa física e a pessoa jurídica.
Em virtude da assinatura da sócia no documento da AFAC, sem previsibilidade de retratação, assim com, pela ausência de menção ao AFAC no passivo não circulante o TJSP compreendeu que este teria natureza irretratável e irrevogável, portanto seria impossível a conversão deste em mútuo.
Entretanto, o colegiado, em 2ª instância, do TJSP reconheceu que a sócia poderia discutir, em uma nova ação, a questão do enriquecimento ilícito da empresa e a possível majoração de sua participação societária. Essa nova discussão, segundo o acórdão, deve acontecer em um novo processo, haja vista que o pedido de restituição não cabia no contexto da ação de cobrança analisada.
Por fim, o Tribunal aumentou os honorários advocatícios de 10% para 12% do valor da causa.
Classificação das AFACs como Irretratáveis ou Retratáveis e suas Consequências Jurídicas
Os Adiantamentos para Futuro Aumento de Capital (AFACs) podem ser classificados como irretratáveis ou retratáveis, dependendo da natureza do aporte realizado e do acordo entre as partes envolvidas. Essa distinção possui implicações diretas no tratamento jurídico e contábil dos valores aportados.
A AFAC irretratável ocorre quando o adiantamento feito pelo sócio ou investidor à sociedade está irrevogavelmente destinado à conversão em capital social, ou seja, sem a possibilidade de devolução dos valores aportados, exceto em situações excepcionais, como a dissolução da sociedade. Nesse caso, o montante adiantado é incorporado ao patrimônio da empresa, reforçando o capital social sem gerar passivos para a sociedade. A doutrina reconhece que a irretratabilidade confere maior segurança jurídica às operações societárias, pois o aporte assume um caráter definitivo e irreversível.
Por outro lado, a AFAC retratável é caracterizada pela possibilidade de devolução do valor adiantado caso não haja efetiva capitalização. Nesse modelo, os sócios mantêm a opção de reaver o valor aportado, caso decidam não realizar o aumento de capital. Essa classificação traz consequências importantes no aspecto financeiro, uma vez que, até a conversão em capital social, o valor permanece classificado como uma obrigação da sociedade para com o sócio. Em termos práticos, a AFAC retratável pode ser revista com o tempo.
Conclusão
O acórdão do TJSP reforça a importância de distinguir claramente o AFAC do mútuo (como um empréstimo a ser devolvido) em situações societárias. No caso em questão, ficou evidente que, ao fazer aportes para a empresa, a sócia estava ciente de que esses valores foram contabilizados como AFAC e, por está razão, seriam futuramente capitalizados com o consequente aumento de capital da sociedade. Assim, a falta de formalização do aumento de capital não alterou o fato de que o empréstimo não era passível de restituição ao sócio mutuante e somente seria destinado para aumentar o capital social.
O acórdão também destaca a necessidade de formalização dos negócios entre sócios, principalmente quando se tratar de aumento de capital e participação societária. Embora o pedido de devolução tenha sido negado, o TJSP deixou em aberto a possibilidade de a sócia discutir o eventual enriquecimento da empresa em um novo processo. Autores:
Vitor Martins – vitor@mbma.com.brMariana Silveira – mariana.silveira@mbma.com.br
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