Breves considerações sobre o Enunciado nº 01 do Conselho Diretor da Autoridade Nacional de Proteção de Dados
- Elano Collaco
- 1 de jun. de 2023
- 6 min de leitura
No último dia 24 de maio de 2023, inaugurando sua principal função, regular a proteção de dados no Brasil, o Conselho Diretor da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (“ANPD”) publicou seu primeiro enunciado (“Enunciado CD/ANPD Nº 01”), cuja deliberação foi a seguinte: “O tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes poderá ser realizado com base nas hipóteses legais previstas no art. 7º ou no art. 11 da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), desde que observado e prevalecente o seu melhor interesse, a ser avaliado no caso concreto, nos termos do art. 14 da Lei”.
Importante esclarecer que a ANPD é uma autarquia de natureza especial, criada com o objetivo de colaborar com a tutela efetiva do direito à proteção de dados pessoais e de promover maior conhecimento dos cidadãos sobre o tema.
Além disso, a ANPD tem a missão de contribuir com a regulamentação da Lei nº 13.709 de 2018, também conhecida por Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (“LGPD”), a fim de trazer esclarecimentos objetivos sobre pontos da lei que, eventualmente, ficaram mais amplos. Uma das formas de exercer essa função é por meio da elaboração de enunciados, que consistem em instrumentos jurídicos nos quais um determinado órgão traz seu entendimento sobre um assunto.
O Enunciado CD/ANPD Nº 01, o qual teve a preocupação de elucidar quais seriam as bases legais para o tratamento de dados das crianças e dos adolescentes, definindo, portanto, que estas poderiam ser tanto as previstas no art. 7º da LGPD, que tratam sobre os dados pessoais em geral, quanto as referidas no art. 11 da LGPD, as quais, por sua vez, regulamentam o tratamento de dados pessoais sensíveis.
Assim, a partir da leitura do Enunciado CD/ANPD Nº 01, nota-se que embora o consentimento seja a base legal mais utilizada no caso de tratamento de dados de crianças e de adolescentes, não é a única possível, tendo a ANPD permitido que sejam aplicadas as demais bases previstas na LGPD, desde que utilizadas com cautela, pensando no melhor interesse daqueles sujeitos, a fim de respeitar o disposto no art. 14 da LGPD e, dessa maneira, considerar as características peculiares destes sujeitos.
Neste sentido, é de suma importância que os agentes que realizam tratamento de dados de crianças e de adolescentes procurem sempre indicar qual base legal que fundamenta referido tratamento, sendo que a base legal utilizada poderá variar, de acordo com o tipo de dado coletado (se for sensível ou não) e com a operação envolvida (por exemplo, se o tratamento de dados é voltado para cumprimento de obrigação legal, ou se é para executar um contrato, entre outras hipóteses legais).
Também é fundamental deixar claro quais serão os dados coletados, que podem ser, por exemplo, nome, CPF, endereço, entre inúmeras outras informações que identificam o indivíduo.
Além disso, o agente que estiver realizando o tratamento de dados pessoais deverá informar por quanto tempo os dados ficarão armazenados em seus bancos de dados.
Tanto o titular dos dados (criança ou adolescente), quanto os pais ou responsáveis devem ter ciência de que a qualquer momento poderão solicitar a correção dos dados coletados de forma incorreta ou incompleta.
Especificamente em relação ao consentimento dado pelos pais ou pelos responsáveis, importante esclarecer que este deve ser feito de forma específica, isto é, voltada para uma finalidade previamente determinada e informada. Ou seja, os pais ou responsáveis devem saber a razão pela qual aquela coleta de dados está sendo realizada.
Diante do exposto, conclui-se que a ANPD buscou reiterar a necessidade de uma proteção mais especial aos dados pessoais de crianças e de adolescentes, se alinhando com os princípios previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (“ECA”) e na própria Constituição Federal, a qual, por sua vez, determina que as questões inerentes à criança e ao adolescente possuem prioridade absoluta, uma vez que são sujeitos vulneráveis e, muitas vezes, menos cientes dos riscos relacionados a seus direitos.
Tais orientações são mecanismos para se garantir que os envolvidos no tratamento tenham total conhecimento sobre o que ocorre com seus dados desde o momento em que são coletados até sua eliminação, em respeito, sobretudo, aos princípios da transparência, da necessidade e da boa-fé, também previstos na LGPD.
Em suma, qualquer que for a base legal utilizada pelo agente de tratamento dentre as permitidas pelo Enunciado CD/ANPD Nº 01, não se pode perder de vista que o tratamento de dados deve ser executado com o intuito de atender ao melhor interesse da criança e do adolescente, bem como que proporcione a tutela de seus direitos, sobretudo à proteção de dados, de forma adequada e segura.
Fontes:
ANPD. Enunciado CD/ANPD nº 1, de 22 de maio de 2023. Disponível em: < https://www.in.gov.br/web/dou/-/enunciado-cd/anpd-n-1-de-22-de-maio-de-2023-485306934>. Acesso em: 26/05/23.
BRASIL, Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm. Acesso em: 26/05/23.
Art. 7º O tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado nas seguintes hipóteses:
I - Mediante o fornecimento de consentimento pelo titular;
II - Para o cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador;
III - pela administração pública, para o tratamento e uso compartilhado de dados necessários à execução de políticas públicas previstas em leis e regulamentos ou respaldadas em contratos, convênios ou instrumentos congêneres, observadas as disposições do Capítulo IV desta Lei;
IV - Para a realização de estudos por órgão de pesquisa, garantida, sempre que possível, a anonimização dos dados pessoais;
V - Quando necessário para a execução de contrato ou de procedimentos preliminares relacionados a contrato do qual seja parte o titular, a pedido do titular dos dados;
VI - para o exercício regular de direitos em processo judicial, administrativo ou arbitral, esse último nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 (Lei de Arbitragem);
VII - para a proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro;
VIII - para a tutela da saúde, exclusivamente, em procedimento realizado por profissionais de saúde, serviços de saúde ou autoridade sanitária;
IX - Quando necessário para atender aos interesses legítimos do controlador ou de terceiro, exceto no caso de prevalecerem direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais; ou
X - Para a proteção do crédito, inclusive quanto ao disposto na legislação pertinente.
Art. 11. O tratamento de dados pessoais sensíveis somente poderá ocorrer nas seguintes hipóteses:
I - Quando o titular ou seu responsável legal consentir, de forma específica e destacada, para finalidades específicas;
II - Sem fornecimento de consentimento do titular, nas hipóteses em que for indispensável para:
a) cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador;
b) tratamento compartilhado de dados necessários à execução, pela administração pública, de políticas públicas previstas em leis ou regulamentos;
c) realização de estudos por órgão de pesquisa, garantida, sempre que possível, a anonimização dos dados pessoais sensíveis;
d) exercício regular de direitos, inclusive em contrato e em processo judicial, administrativo e arbitral, este último nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 (Lei de Arbitragem);
e) proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro;
f) tutela da saúde, exclusivamente, em procedimento realizado por profissionais de saúde, serviços de saúde ou autoridade sanitária; ou
g) garantia da prevenção à fraude e à segurança do titular, nos processos de identificação e autenticação de cadastro em sistemas eletrônicos, resguardados os direitos mencionados no art. 9º desta Lei e exceto no caso de prevalecerem direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais.
Art. 14. O tratamento de dados pessoais de crianças e de adolescentes deverá ser realizado em seu melhor interesse, nos termos deste artigo e da legislação pertinente.
§ 1º O tratamento de dados pessoais de crianças deverá ser realizado com o consentimento específico e em destaque dado por pelo menos um dos pais ou pelo responsável legal.
(...) § 6º As informações sobre o tratamento de dados referidas neste artigo deverão ser fornecidas de maneira simples, clara e acessível, consideradas as características físico-motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais e mentais do usuário, com uso de recursos audiovisuais quando adequado, de forma a proporcionar a informação necessária aos pais ou ao responsável legal e adequada ao entendimento da criança.
Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se: (...) IX - agentes de tratamento: o controlador e o operador;VI - controlador: pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, a quem competem as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais; VII - operador: pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, que realiza o tratamento de dados pessoais em nome do controlador;
O ECA é o principal instrumento legal voltado para a promoção e para a proteção dos direitos humanos e fundamentais das crianças e dos adolescentes. Ele busca consolidar, em um único documento, os mecanismos para a tutela destes sujeitos mais vulneráveis. O princípio norteador do ECA é justamente a proteção integral da criança e do adolescente (art. 1º), reforçando que essa proteção deve vir do Estado, da sociedade e das famílias. Além disso, no ordenamento jurídico brasileiro, o ECA é o instrumento responsável por definir quem seria a criança e quem seria o adolescente.
A CF, em seu art. 227, se preocupou em atribuir à família, à sociedade e ao Estado, conjuntamente, a função ativa de defender os direitos e interesses “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
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