Plano de stock options na relação de trabalho e a demissão sem justa causa antes do término do período de carência
- MSBM Advogados

- 27 de fev. de 2024
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Para a compreensão do tema indicado na chamada acima, é necessária a conceituação e contextualização da implementação prática dos planos de stock options. Nesse sentido, primeiramente, define-se stock options como a opção facilitada, com preços pré-fixados, para aquisição futura de ações de uma empresa após um certo período de tempo definido em contrato, chamado de vesting, cliff ou carência.
Esse tipo de benefício tem sido comumente oferecido por grandes empresas a funcionários altamente qualificados, especialmente executivos, a fim de estimular a permanência destes na corporação, permitindo que também se tornem “donos” da empresa depois de um certo período. Assim, ultrapassado o período de carência, os beneficiários podem adquirir as ações da empresa a um preço preestabelecido, conhecido como “preço de exercício” ou “strike price”.
Não raro, a Justiça do Trabalho é acionada para analisar casos em que o Reclamante, um ex-empregado a quem foi ofertado o plano de stock options na ocasião da contratação, processa a ex-empregadora aduzindo que foi demitido sem justa causa antes do término do prazo de carência, o que o impediria de exercer o seu direito de compra das ações.
Para entender esse ponto, e antes de entrar no mérito da discussão e da jurisprudência, é importante salientar que diversos julgados já reconhecem que o contrato que estabelece o plano de stock options tem natureza mercantil. Embora haja uma relação trabalhista entre as partes, a natureza mercantil (e não salarial) das stock options fica evidente porque o empregado, ao exercer a opção, ainda que esta lhe seja dada em razão do contrato de trabalho, se submete às condições próprias da qualidade de acionista.
Dito isso, e sustentando essa natureza mercantil, o argumento mais utilizado pelos ex-empregados que pugnam pelo cumprimento do contrato é a suposta violação de dispositivos do Código Civil (“CC”). A alegação caminha no sentido de que, ao serem impedidos, sem justa causa, de exercer o direito de compra das ações empresariais, haveria infração ao art. 122 do CC, à medida que a efetivação da condição para efetuar a opção de compra das ações ficaria totalmente ao livre arbítrio da empresa, ou seja, seria uma condição potestativa, proibida pela lei.
Isto é, mesmo oferecendo o stock option, a empresa teria o poder de impedir a sua efetivação por meio de uma demissão sem justa causa.
Na esteira desse argumento, aduzem os empregados que a condição (término do período de carência) teria se verificado justamente porque o exercício do direito de compra das ações teria sido maliciosamente obstado com a rescisão unilateral e sem justa causa do contrato de trabalho. A narrativa encontraria amparo no art. 129, pois tal dispositivo do CC determina que, se uma das partes obsta maliciosamente o implemento da condição, esta será reputada verificada – e, assim, o direito à compra das ações deveria ser respeitado mesmo com a demissão por justa causa.
Nesse sentido, o Tribunal Superior do Trabalho (“TST”) já emitiu decisões que proclamaram inadmissível a condição que retira dos obreiros o direito à opção de compra no caso de dispensa sem justa causa durante o período de carência, porquanto permite que a Reclamada, ao dispensar o empregado, valendo-se de tal condição, obste a regular fruição do direito pelo trabalhador:
“RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. BENEFÍCIOS. COMPRA DE AÇÕES. STOCK OPTION. CONDIÇÃO POTESTIVA. RECONHECIDA TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA. No caso dos autos, o debate está relacionado à validade de cláusula que, no contexto de stock options, faz cessar o período de carência (comum às opções de compra de ações) se sobrevém a dispensa imotivada. Para o Regional, trata-se de condição puramente potestativa (e, portanto, ilícita, conforme art. 122 do CC) ou, noutra perspectiva, conjectura-se que, mesmo se a tendo por lícita, teria ela o implemento antecipado por conduta maliciosa da empresa (o Tribunal Regional afirma ser potestativa a condição, mas, ao final, remete também ao art. 129 do CC). O período de carência estabelecido nas stock options corresponde a uma condição suspensiva a priori lícita, mas a cláusula específica que, nesse contexto, estaria a permitir que a empresa rompesse imotivadamente o contrato e assim frustrasse a aquisição das ações, revela-se condição meramente potestativa (seria diferente se tratássemos, exempli gratia, de pedido de demissão, dispensa por justa causa ou ao menos motivada). Ademais, a Corte Regional tem razão quando, ao remeter a temática também ao art. 129 do CC, está a sinalizar, em obiter dictum, que mesmo na hipótese de ter-se tal condição como lícita, ainda assim se a teria por verificada, pois seu implemento teria sido obstado maliciosamente pela outra parte. Recurso de revista conhecido e não provido.”
(TST; ARR 108865720155010009, Relator: Augusto Cesar Leite De Carvalho, 6ª Turma, j. 16/02/2022)
Por outro lado, as empresas argumentam pelo preenchimento dos requisitos de validade do art. 104 do CC, ou seja, o contrato com o plano de stock options envolveria partes capazes, objeto lícito, possível e determinado e a forma de pactuação não seria proibida pela lei. Além disso, as stock options, como dito, geralmente são oferecidas a empregados altamente qualificados, sendo, portanto, pessoas hiperssuficientes e não vulneráveis. Além disso, pode-se alegar que o período de carência seria mera condição suspensiva, que geraria apenas uma expectativa de direito, nos termos do art. 125 do CC. E, por se tratar de condição mais benéfica oferecida ao empregado e sem relação com obrigações trabalhistas, o contrato deveria ser interpretado restritivamente, consoante o art. 114 do CC. Ademais, não faria sentido que um ex-empregado se tornasse dono da empresa antes do término do período aquisitivo, ainda mais quando o ex-empregado promove um litígio com a empresa. Seguindo essa compreensão, diversos precedentes passaram a adotar uma postura de afastar as alegações de violação aos arts. 122 e 129 do CC, pois a condição prevista no contrato não seria meramente potestativa, visto que ambas as partes poderiam rescindir o contrato de trabalho, a empresa poderia encerrar suas atividades, dentre outras condições que poderiam se verificar e que impediriam o término do período de carência. Precedente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região ilustra perfeitamente essa posição:
“Este é, portanto, o ponto nodal da discussão: o empregado que deixa a empresa antes de cumprido o período para o exercício da opção (no caso das stock options) ou para a aquisição do lote de ações restritas (no caso das RSU's) tem direito às opções futuras? Com o devido respeito às posições contrárias (a matéria não está sedimentada, de forma pacífica, na jurisprudência trabalhista), entendo que não. A dispensa de um empregado, especialmente um integrante do alto escalão, dificilmente pode-se enquadrar na categoria do "puro arbítrio" da empresa. Diversos fatores alheios à vontade do empregador podem concorrer para tal evento, como as condições da economia, seu desempenho no mercado ou, ainda, uma pandemia como a que atravessamos. Ademais, especialmente em casos como o do reclamante, cuja qualificação é especialíssima e valorizada, a empresa perde a mão-de-obra qualificada e deve suportar pesados encargos com tal escolha. No caso do autor, por exemplo, pela escolha de rescindir o contrato a ré teve que pagar R$ 254.720,89 de verbas rescisórias, além de mais de meio milhão de reais apenas a título da indenização 40% do saldo do FGTS. Em tal contexto, não parece ter sido uma decisão tomada com a intenção de "maliciosamente obstar" o implemento da condição para a aquisição do lote de ações, até mesmo porque os custos da demissão superam com folga a suposta vantagem obstada. Aliás, entendimento diferente acabaria por desnaturar essa ferramenta empresarial para incentivar o alinhamento entre os interesses dos acionistas e da alta direção da empresa, pois o trabalhador não teria que se esforçar para manter-se nos quadros da ré durante todo o período de carência para poder então exercer a opção de compra e receber as RSU's. No mais, observo que as ações" canceladas "foram justamente aquelas cujo período de carência (vesting) não haviam escoado. Face ao exposto, mantenho a sentença que rejeitou a pretensão.”
(TRT-2; Processo n.º 10010557420205020005, Relator: RICARDO APOSTOLICO SILVA, 5ª Turma, publicado em 25/04/2022).
Há, também, precedente do próprio TST reconhecendo que a dispensa sem justa causa não configura atitude de má-fé da empresa para obstar o acesso do obreiro ao benefício acordado no plano de stock options:
"I - AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE - STOCK OPTIONS. PERÍODO DE CARÊNCIA. DISPENSA OBSTATIVA. NÃO CONFIGURAÇÃO. ART. 896, A E C, DA CLT. Não merece reparos a decisão monocrática que denegou seguimento ao agravo de instrumento. Agravo a que se nega provimento. II - AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA - REMUNERAÇÃO ANUAL POR PERFORMANCE. NATUREZA JURÍDICA. SÚMULA 126 DO TST. Mantida a decisão monocrática que denegou seguimento ao agravo de instrumento, embora por fundamento diverso. Agravo a que se nega provimento."
(Ag-AIRR-417-48.2012.5.02.0002, Rel. Min. Marcio Eurico Vitral Amaro, 8ª Turma, DEJT 09/08/2019)
Confirmando essa tendência, o Marco Legal das Stock Options (Projeto de Lei n.º 2.724/2022), que já foi aprovado pelo Senado Federal e se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados, prevê que as opções de compra de participações societárias possuem natureza exclusivamente mercantil (artigo 2º, parágrafo único), salvo se houver descumprimento dos requisitos legais.
Segundo o Projeto, os requisitos mínimos para a caracterização do contrato de plano de opções incluem a efetiva a outorga de direitos ou concessão de opções de compra; o cumprimento de condições mínimas necessárias para o exercício do direito outorgado ou recebimento das opções, com período de pelo menos 12 (doze) meses; e o valor a ser pago pelo beneficiário à sociedade emissora para o exercício de opção de compra de ações.
O autor do projeto, senador Carlos Portinho, destacou o sentimento de pertencimento e de busca pelo sucesso despertado nos funcionários que podem aderir ao plano. As empresas, por sua vez, conseguiriam captar mão de obra qualificada e focada no desempenho para o início de suas atividades.
Também foram incluídas disposições para que o instituto não seja transformado em um mercado especulativo, como a regra de que o trabalhador não poderá vender as ações por um prazo de doze meses após a aquisição. Logo, se aprovada, tal legislação trará segurança jurídica sobre o tema, afastando interpretações contrárias acerca da natureza do instituto.
Assim, as partes, sobretudo as empresas, devem se ater à real viabilidade de celebração de um contrato com plano de stock options, bem como aos seus termos, além de consequências e riscos de uma eventual demissão sem justa causa antes do término do período de carência estabelecido para o exercício do direito de compra das ações. Apesar da jurisprudência da Justiça do Trabalho ser mais flexível nesse tema e, frequentemente, dar ganho de causa às empresas, a questão ainda é controvertida, o que pode gerar ao ex-empregado o direito de compra das ações ou ao recebimento do equivalente em dinheiro.
O MBM Advogados fica à disposição em caso de dúvidas sobre o tema.
Autores:
João Gabriel Menezes Faria – joao@mbma.com.br Luís Henrique Vicente – luis.vicente@mbma.com.br

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