Prazos mínimos de vigência no contrato de arrendamento rural e análise da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
- Elano Collaco
- 10 de jan. de 2024
- 4 min de leitura
Dentre os contratos agrários previstos na Lei 4.504/64 (Estatuto da Terra), está o de arrendamento rural. Regulamentado pelo Decreto 59.566/1966, é definido como a modalidade de contrato em que uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo integral ou parcial de imóvel rural com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, mediante retribuição ou aluguel – sendo que um dos pontos controvertidos a respeito desse tipo de contrato gira em torno dos prazos mínimos de vigência. Como regra geral, os incisos I e II do art. 95 do Estatuto da Terra preveem que, se o contrato for celebrado com prazo indeterminado, este deverá ter duração de, no mínimo, 3 (três) anos, sendo que a avença, caso o seu objeto seja a agricultura da terra, só poderá ser encerrada se já realizada a colheita, ainda que esta seja adiada por força maior. Caso o objeto envolva pecuária, o art. 21, § 1º, do Decreto 59.566/66 complementa que a rescisão após esse prazo de 3 anos somente pode ocorrer quando os rebanhos já tenham sido paridos ou após a safra de animais de abate. Ainda, o art. 95, inciso XI, “b”, faz remissão ao Decreto 59.566/66, que prevê, em seu art. 13, inciso II, “a”, visando à conservação dos recursos naturais, os seguintes prazos mínimos específicos a serem observados nos instrumentos contratuais:
3 (três) anos para arrendamento com a finalidade de exploração de lavoura temporária, assim considerada aquela cujo ciclo, do plantio à colheita, realiza-se no período do ano agrícola, e/ou de pecuária de pequeno e médio porte;
5 (cinco) anos nos casos de arrendamento em que ocorra atividade de exploração de lavoura permanente, que exige vários anos para se cumprir o ciclo vegetativo, e/ou de pecuária de grande porte para cria, recria, engorda ou extração de matérias primas de origem animal;
7 (sete) anos quando houver atividade de exploração florestal, considerando-se o ciclo iniciado com o plantio e finalizado com a exploração comercial do produto.
A discussão que se instaurou nos tribunais brasileiros, então, cingiu-se em torno da possibilidade de os contratantes terem autonomia para pactuarem prazos menores de vigência do arrendamento rural – sendo que o STJ diverge acerca da resposta para tal questionamento.
Com efeito, a Terceira Turma do STJ já decidiu pela possibilidade do afastamento dos prazos legais mínimos nos contratos agrícolas. O fundamento seria a ilegalidade da limitação dos prazos, uma vez que a própria lei não os teria limitado, tendo os Ministros se baseado na letra do art. 96, inciso I, do Estatuto da Terra (que, destaque-se, trata dos contratos de parceria agrícola), que aduz que o prazo mínimo seria de três anos “desde que outro não fosse convencionado pelas partes”, o que afastaria, portanto, a cogência da norma e daria liberdade às partes para estipular o prazo.
Já a Quarta Turma do STJ, em sentido oposto, aduziu que, pela norma do art. 95, inciso XI, do Estatuto da Terra (que atribuiu ao decreto a atribuição de definir os prazos mínimos de vigência do arrendamento rural que deveriam ser atendidos nos diversos tipos de atividade), não se poderia afirmar que o decreto teria ido além do que lhe fora permitido, pois a ele incumbia fixar os prazos mínimos a serem observados nos contratos, atendendo à peculiaridade de cada atividade.
Além disso, a Quarta Turma destacou que, apesar da natureza privada, o contrato de arrendamento é muito pautado pelo direito público em razão de sua importância para o Estado, que visa à proteção do homem do campo, do meio ambiente e o cumprimento da função social da propriedade. Logo, sofrendo influência de normas de caráter público e social, os prazos mínimos seriam de observação obrigatória e, por isso, irrenunciáveis.
É esse, inclusive, o entendimento que tem prevalecido no STJ nos últimos anos. Após anos de divergência, a Terceira Turma proferiu, em 2016, acórdão que divergiu do posicionamento adotado nos anos anteriores. Adotando as razões de decidir da Quarta Turma, frisou que o prazo mínimo dos contratos agrícolas é estabelecido principalmente para evitar o mau uso da terra e para proteger o arrendatário, aquele que se dispõe a trabalhar a terra de terceiros, remunerando-o, a fim de obter rendimentos capazes de sustentar sua família.
Tal entendimento encontra guarida, inclusive, na doutrina pátria, que alerta que o estabelecimento de prazos curtos no arrendamento rural poderia comprometer a sustentabilidade econômica, ambiental e social do contrato. Do ponto de vista econômico, não seria viável a realização de grandes investimentos, dando-se a extração máxima da terra sem o dispêndio de muitos recursos financeiros na manutenção de sua qualidade. Em termos ambientais, os produtores deixariam de adotar técnicas de conservação justamente em razão do desinteresse por realizar grandes investimentos a curto prazo. Já o impacto social dos prazos exíguos poderia implicar a ausência da renda necessária ao sustento do produtor e de sua família.
Assim, sopesando todos esses fatores, o STJ tem concluído que a pactuação de prazos menores não pode servir de justificativa apta para buscar a descaracterização do contrato de arrendamento, o que pode até mesmo ser interpretado como tentativa de fraude ao instituto contratual, de forma que tais cláusulas serão consideradas nulas.
Desse modo, é fundamental que, ao celebrar um contrato de arrendamento rural, as partes estejam atentas ao posicionamento que tem prevalecido no âmbito do STJ nos últimos anos, pois, em caso de litígio, serão os tribunais superiores os responsáveis por dar a última palavra sobre a disputa e decidirem acerca da legalidade dos dispositivos pactuados, inclusive no que tange ao prazo contratual, o que poderá gerar repercussões negativas para os contratantes em caso de inobservância da jurisprudência vigente sobre a matéria.
O MBM Advogados, especialista nesse tipo de discussão, fica à disposição em caso de dúvidas sobre o tema.
Autores:
João Gabriel Menezes Faria – joao@mbma.com.br
Luís Henrique Vicente – luis.vicente@mbma.com.br
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